Saiba o que é 'lista trans'; apenas dois festivais grandes adotaram medida inclusiva em 2023 em SP

  • 06/07/2024
(Foto: Reprodução)
Iniciativa obtém ingressos gratuitos de festas e festivais exclusivos para pessoas trans, travestis e não binárias. Criada em 2015 no Recife, esse tipo de lista chegou a São Paulo em 2018. Bandeira Trans Celso Tavares/g1 Desde 2015, festas e festivais brasileiros têm adotado a chamada "lista trans", uma iniciativa que disponibiliza uma porcentagem de ingressos para serem distribuídos gratuitamente a pessoas trans, travestis e não binárias. As listas chegaram a São Paulo em 2018, nas festas da cena techno, e, nos últimos dois anos, passaram a ser abraçadas por festivais. Essas listas são uma luta da comunidade trans para trazer mais inclusão a eventos culturais. LEIA MAIS: Festival de Tecnobrega lança Lista Transfree que dá gratuidade a pessoas trans, travestis e não-binárias Como são feitas as listas? Geralmente, produtores ou ativistas entram em contato com eventos e solicitam ingressos para pessoas trans, travestis e não binárias; Os organizadores disponibilizam uma quantidade de ingressos; A partir daí, é aberta uma lista de inscrições via formulário online; O responsável pela lista analisa os perfis por ordem de inscrição e libera os ingressos; Muitas vezes, a quantidade disponibilizada não é suficiente para atender todas as inscrições. A doutoranda Iná Odara Cholodoski Monteiro Torres, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é uma das responsáveis por organizar listas em todo o país, principalmente em festivais. Segundo um levantamento realizado por ela, em 2023, apenas dois festivais adotaram a lista em São Paulo: GRLS! - com 80 ingressos liberados Primavera Sound SP - com 80 ingressos liberados No Rio de Janeiro também foram dois festivais: Queremos - com 78 ingressos liberados Rock in the Mountain - com 210 ingressos liberados O Afropunk, em Salvador, liberou 444 ingressos via lista. Ainda segundo o levantamento de Iná: O festival GRLS ofereceu 80 ingressos para a lista e, após divulgação, recebeu 80 inscrições, tendo uma cobertura de 100%. O Queremos ofereceu 60, recebeu 78 inscrições e disponibilizou entradas para o total de inscritos. O Afropunk não estabeleceu limite de ingressos para a lista, recebendo 444 inscrições e disponibilizando entradas para todos os inscritos; O Rock in The Mountain ofereceu 150, recebeu 255 inscrições e disponibilizou 210 ingressos; O Primavera Sound SP ofereceu 60, recebeu 359 inscrições e ofereceu 80 ingressos após negociações. "A lista trans é uma questão de política pública. Vemos que existem festivais que têm uma política que agregam mais pessoas trans, mas precisamos pensar como uma questão de acesso, de uma estrutura interna que entendem e enxergam como isso reverbera", afirma Iná Odara. "Desde o ano passado venho produzindo, em parcerias com produtoras, listas de acesso à população trans, de forma gratuita, a grandes shows e festivais nacionais", relata. E completa: "É um constante esforço de mandar e-mails, controlar a ansiedade e realizar negociações de forma que esses locais possam aumentar o número de pessoas T, de forma que elas possam experienciar cultura, lazer e coletividade". Iná é doutoranda e mestra em Sociologia pela UERJ Divulgação As listas surgem como uma medida para proporcionar entretenimento e lazer para pessoas que não teriam condições financeiras de pagar pelo evento e, também, trazer mais diversidade ao público. "As listas têm a importância de incluir indivíduos que são afastados de área de lazer. Eu já fiz uso das listas inúmeras vezes para ser inserida em espaços de cultura de forma segura e acolhedora. Por si só, elas não sanam o problema da marginalização de grupos em áreas de lazer, mas visa amenizar. A gente sabe que existe a necessidade de atuação do poder público, mas ela pelo menos traz um equilíbrio na medida do possível", afirma a modelo Maitê Moyo. As listas não são vistas somente como uma inclusão no entretenimento, mas também uma forma de conhecer pessoas, espaços e arte. "Não é só uma abertura a lazer, entretenimento e diversão. Vejo também como grandes oportunidades que são abertas para corpos trans. Com a lista, também nasce uma oportunidade para conhecer uma área de trabalho e para que corpos trans possam adentrar áreas que lhe foram negadas", afirma a artista Glenda Teixeira. A artista conhecida como serpentte0669 também já fez produção de listas para eventos Arquivo pessoal "Essas listas foram desenvolvidas para ter como partida os cuidados da comunidade trans e não binária que também são frequentadoras de eventos de lazer. Claro que no caso de eventos maiores a gente espera que exista uma atuação do poder público, que tenham como embaixadores pessoas trans que possam expandir ainda mais o uso das listas", completa. Segundo um levantamento realizado pelo g1, em 2023 foram mais de 20 festivais de grande porte realizados em São Paulo: Festival Grls! Lollapalooza Monsters of Rock Summer Breeze Encontro das Tribos Circus C6 Fest Nômade Festival Best of Blues and Rock Mita Turá Oxigênio The Town Festival Coala Festival Somos Rock GPWeek Primavera Sound Além do Primavera Sound e do GRLS, com a lista organizada por Iná, o g1 só conseguiu localizar listas em três outros festivais: Gop Tun Batekoo Mamba Negra Os festivais em questão são uma versão maior de festas que nasceram nas ruas e viraram um espaço para a música underground da noite paulistana - aqui podemos incluir funk, techno e house. Listas Batekoo Festival 2023. Reprodução/ Instagram Para Iná, como era uma prática já adotada pelas festas, quando viraram festivais, as políticas de inserção migraram. "Querendo ou não, a cena da noite - quando a gente pensa nos famosos technos, as festas que a gente diz que são em lugares insalubres - são espaços onde o público fora da heteronormatividade está muito mais presente", afirma Iná. "Uma Mamba Negra, uma Gop Tun, que surgem numa proposta de representar a noite que é aberta para nós. Onde o que somos não vai importar. É uma tradição essa possibilidade de ser um lugar mais seguro e crescer junto com a festa", emenda. Como surgiram as listas no Brasil? Ana Giselle foi responsável por trazer as listas para SP. Divulgação/ Danilo Sorrino A primeira lista trans em festivais de música no Brasil surgiu em 2017, no Coquetel Molotov, no Recife, pela iniciativa da multiartista visual Ana Giselle, a Transälien. Antes disso, em 2015, ela já implementava a lista em festas. "Eu tocava em festas no Recife e a ideia da lista transfree surgiu da necessidade de ver nos espaços minhas iguais existindo em espaços festivos. Espaços que a gente só conseguia acessar através de amigos ou trabalhos. A ideia partiu de uma necessidade de inclusão. A primeira festa a ter transfree no Brasil foi a 'Kebran' em Recife, depois disso começamos a levar a lista para outros eventos até chegar ao primeiro festival", afirma Ana Giselle. Ana se mudou para São Paulo e trouxe com ela a ideia das listas, que foi prontamente abraçada por festas. Ana acredita que o ambiente das festas, principalmente focadas no público LGBTQ+ são mais fáceis de acessar, mas para festivais o caminho ainda é árduo. "Partindo do princípio de que pautas sociais em rolês culturais são alicerçadas quase sempre de negros e LGBTs, que historicamente enfrentam a exclusão social, ainda falta produtores culturais compreenderem que uma festa ou um festival pode ser muito mais do que um lugar de celebração ou de fazer dinheiro. São também um espaço para contribuir com novas mudanças e cenários sociais", completa. Abraçadas pela noite paulistana Mamba Negra. Divulgação/ Tata Guarino Uma das primeiras festas que abraçou a lista trans em São Paulo foi a Mamba Negra. "A importância da criação e implementação das listas trans é tão fundamental para a cena independente underGRANDE de São Paulo e do Brasil quanto o legado das festas de rua e ocupações", afirma Laura Diaz, produtora da Mamba Negra. E emenda: "Construíram nossa identidade, são ferramentas de luta. São a garantia mínima de que corpos responsáveis por criar e protagonizar essa cultura possam acessar estes espaços". Em 2019, a Tesãozinha Inicial, que nasceu como bloco de carnaval e virou festa, também começou a adotar as listas trans/não binária. Pedro Athie e Maria Olivia Aporia, fundadores da festa, contam que também descobriram a iniciativa quando Transälien chegou em São Paulo. "Essa lista sempre foi cuidada por pessoas trans na Tesãozinho. Já gerenciaram a lista trans a DJ Miss Tacacá, a DJ e produtora Zizi e a Rive Agra, fundadora da Agra Comunicação, que é um projeto de acessibilidade e inclusão para pessoas trans e PCD", afirmam. Segundo Pedro, normalmente os ingressos são disponibilizados para quem se inscreve no formulário e, quando o espaço é menor, são liberados para até 30% dos inscritos. Na Tesãozinha, o formulário da lista inclui perguntas como o nome social e pede que as redes sociais estejam abertas para evitar fraude. "Muitas vezes acontecem fraudes de identidade, ou a pessoa inclui seu nome na lista e não comparece ao evento, podendo pegar o lugar de outra pessoa que queria e não teve a oportunidade de se inscrever, pois a lista esgotou", afirma Maria Olivia. Até para quem está começando na cena noturna de São Paulo, as listas trans/nb viraram uma questão de obrigatoriedade. "Não abrimos mão de colocar entrada free para trans, travestis e não binários. Se queremos que seja um local de pessoas queer, para pessoas queer, queremos ter essas pessoas ali. É uma forma de afirmar o que a nossa festa é", afirma Gabriel Lopes, co-idealizador da festa Novo Affair, que surgiu em setembro de 2023 com a ideia de ser um evento 100% focado em house music para a comunidade LGBTQ+. Mas as listas resolvem o problema? Segundo os produtores ouvidos pelo g1, a iniciativa criada pela própria comunidade ajuda, mas não é o suficiente. No caso da Tesãozinha, o número de pessoas que realmente comparecem no dia do evento é muito baixo em relação às inscrições na lista. "Menos da metade das pessoas que receberam o ingresso comparecem. Estamos tentando entender o que está acontecendo e tentamos facilitar o modo como as pessoas cheguem à festa, consumam. São muitos fatores reunidos. Não é só o ingresso, tem que ter uma rede estruturada que considera o alcance, a comunicação, a possibilidade de consumo, de acolhimento, de tratamento e de recursos para fornecer e aplicar tal política", afirma Pedro. Para Gabriel, da Novo Affair, as festas estão trabalhando sozinhas por inclusão. "A gente é uma festa nômade, somos obrigados a mudar sempre de local. Quando se faz uma festa tem que pensar em diversos fatores que vão além do ingresso, então eu vejo que a gente restringe acessos não só por causa do preço, mas pela segurança, o local, tempo e custo para chegar até lá. Sentimos que estamos sendo expulsos de áreas próximas do Centro, já que a cidade está crescendo no ramo imobiliário e sem espaço para quem trabalha com cultura", afirma. O g1 pediu uma posição dos festivais Rock In The Mountain e Primavera Sound, que não atenderam todas as inscrições nas listas. O RTM informou que: "Em 2023 implementamos a lista trans no Rock The Mountain e já estamos nos planejando nesse sentido novamente para a edição deste ano. Desde 2022 temos também uma lista PCD. É uma obrigação dos festivais e de todos os agentes culturais pensarem na inclusão e na democratização do acesso aos seus eventos. A cultura é um direito universal, e se queremos ser um espaço de promoção dela precisamos pensar que o público não pode ser restrito apenas a quem pode pagar o ingresso. Ao fazer ações como a lista trans, conseguimos diversificar nosso público e o tornar um ambiente mais plural e acolhedor. Quando temos um incentivo assim para formação de público trans, deixamos claro para o nosso público e para o mercado nosso posicionamento. Além da lista trans, no ano passado tivemos pelo menos 50% da nossa equipe composta por mulheres, inclusive nas principais posições de liderança do evento. O line up 100% feminino também impulsionou a inclusão no line up, já que a partir de 2023 nos comprometemos a ter no mínimo 50% de mulheres na programação. Ações em parcerias com instituições como Livre de Assédio e Women's Music Event também são importantes para que nossos objetivos sejam cada vez mais firmados e assegurados por quem entende do assunto" O Primavera Sound SP não respondeu até a publicação desta reportagem. Serviço Próximas datas da Mamba e Novo Affair com lista trans/nb em julho em SP: Novo Affair - 5 de julho, no Ephigenia - Viaduto Santa Ifigênia, 66 - Santa Ifigênia, Centro Mamba Negra - 20 de julho, na quadra da Rosas de Ouro - R. Cel. Euclides Machado, 1.066 - Jardim das Graças, Zona Norte

FONTE: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2024/07/06/saiba-o-que-e-lista-trans-apenas-dois-festivais-grandes-adotaram-medida-inclusiva-em-2023-em-sp.ghtml


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